Nascido em Treviso, na Itália, Sérgio
emigrou para o sul do Brasil na década de cinquenta aos 26 anos de idade. Aqui
conheceu Angelina 10 anos mais jovem, filha de imigrantes por quem se apaixonou
e se casou.
Religioso fervoroso se dedicava a
sua paróquia participando de corais e demais atividades da igreja nas horas
livres, quando não estava trabalhando em sua marcenaria.
Na árdua labuta da profissão criou
três filhos e duas filhas, sempre sob o austero rigor da Santa Madre Igreja
Católica. Quando completou 50 anos nasceu a última filha, a temporona como
gostava de dizer. A surpresa foi grande já que os médicos haviam dito que
Sérgio não poderia mais ter filhos devido a uma caxumba recolhida.
— Menos male! Quello Dottore não sabe
niente. No é vero sposa? — enfatizou o marido.
— É vero mio Sérgio! — respondeu a esposa.
Os anos passaram e Henriqueta, a
caçula temporona, se apaixonou por um moço que não era exatamente o marido que
o velho italiano sonhava para sua filha.
— Pai! Ele é um bom rapaz. Gente de
bem e trabalhadora — ponderava a
moça.
— No,no,no! Io no parlo di
denaro. Quello ragazzo é protestante.
Figlia minha no vai esposare uno ragazzo protestante.
— Mas pai? Eu o amo tanto.
Henriqueta sabia que não adiantava
discutir com o velho quando começava a falar em italiano. Ele argumentava
melhor na língua mãe e preferia ver sua filha morta a fazer concessão de se
casar com alguém que não fosse da Madre Igreja. Mas a pior notícia ainda estava
por vir! Ela teria que contar para os pais que estava grávida.
A notícia acabou com o velho. A mãe
ainda tentou contornar a situação colocando panos quentes para ver se convencia
o marido, mas de nada adiantou. Sérgio expulsou a filha de casa e disse que
para ele, estava morta a partir daquele dia. Preferia tomar essa atitude a
passar a vergonha que ela estava cometendo perante a família e a igreja
Católica.
Quando nono Sérgio já estava com 70 anos e
alguns meses depois que expulsou a filha de casa começou as complicações com
sua saúde. Henriqueta era informada pela mãe sobre o estado do velho. Certo
dia, temendo pelo pior, chamou a esposa e fez um pedido.
No giorno do mio enterro, quero que
nessuno piangere. Quero ouvire toccare mia gaita.
Sérgio era apaixonado pelo som da
gaita, mas infelizmente nenhum dos seus filhos aprendeu a tocar o instrumento.
A única pessoa que sabia de seu desejo, e a quem ele havia feito o pedido que
tocasse gaita no seu enterro, era sua filha. Mas, expulsa de casa, resolveu
revelar seu desejo a esposa.
— Basta! No parla. Vá lá, vá lá! No é vero. No parla esso.
Uma culpa enorme pesava sobre os
ombros de Angelina. Um segredo que ela guardava a mais de vinte anos.
— Mia vecchia! Io voi partire para
nantra vita. Mi arrependo do que fiz para nostra figlia. Mio coure está
arrependito.
Aos prantos Angelina gritou:
— Basta mio vecchio! Quello genero no
é tuo genero e quella figlia no é tua figlia. Ela é figlia de nantro uomo.
Perdona tuo sposa!
A revelação foi como uma punhalada
no coração do velho. Ele amava Henriqueta de uma forma especial. Ela foi sua
companhia na velhice. Um anjinho que Deus lhe dera de presente.
— Ahhhh! Triste vita, triste vita!
Então o dottore tinha razão? Triste vita a mia!
Nono Sérgio chorava enquanto sua
vida se extinguia. A partir daquele dia não falou mais, e em menos de duas
semanas estava morto.
Na hora do enterro, enquanto o
padre encomendava a alma do italiano, um som de gaita de longe se fez ouvir.
Junto com a música uma mulher cantava uma canção em italiano. Aos poucos a
triste melodia foi se aproximando até chegar à beira do túmulo onde o caixão
com o corpo de Sérgio estava baixado. Não havia uma só pessoa que não chorou de
emoção naquele momento.
Eram Henriqueta e seu marido se
despedindo do homem que ela julgava ser seu pai.
Rudimar Hauenstein
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